quinta-feira, dezembro 21, 2006

Em terceira pessoa

Crônica vencedora do I concurso do Apto. 61 (participantes: eu e minha mãe; jurados: eu)

Resolveu escrever em terceira pessoa. É, depois de tanto tempo usando os mesmos clichês e não conseguindo nenhum resultado, estava pensando seriamente em mudar. Lembrou daqueles jogadores de futebol dando entrevista. “O Viola isso, o Viola aquilo”. E se desse jeito eles ganhavam milhões, a tática devia ser boa. Pronto. A decisão estava tomada: ia escrever em terceira pessoa.

O problema é que estava sem prazo. Não que tivesse uma data definida. O negócio era meio assim, maleável. Pelas suas contas, tinha, no máximo, uns quinze dias. Põe aí dois fins de semana, algumas pendências pra resolver, possíveis problemas no correio, e, no fim, ia ter uma par de dias, se muito. Se ele queria mesmo fazer essa mudança radical, ia ter que começar hoje, ou amanhã de manhã sem falta.

Quando já estava com tudo mais ou menos esquematizado na cabeça, bateu uma dúvida. Ficou pensando se alguém já não tinha tentado isso antes. Ele não era mais criança, e sabia que muitos, milhares, estavam fazendo o mesmo que ele. A chance de alguém já ter tido essa idéia era grande. Se não estivesse enganado, era o Millor quem tinha dito que todas as grandes idéias de hoje já podiam ser encontradas ou na bíblia ou nos gregos. Ficou com a dúvida na cabeça.

Até que, depois de esquecer o assunto por uma semana, e nem perceber que tinha passado uma semana, lembrou que seu tempo estava se esgotando. Bom, agora não tinha mais jeito. Ia ter que ser em terceira pessoa mesmo, não dava pra pensar em mais nada. Alegaria coincidência, inocência, caso encontrassem algo parecido.

Respirou fundo, tirou a caneta do estojo do Mickey e escreveu a primeira frase.

“Querido Papai Noel.”

segunda-feira, dezembro 18, 2006

Aberto 24 horas

A lei contra os outdoors, muito discutida, é, sem dúvida, polêmica. Ouvindo quem a defende e quem é contra ela, percebemos que diversos pontos levantados por ambas as partes são válidos. Agora, olhando mais a fundo, essa discussão me parece muitíssimo superficial. Vejamos.

Eu moro quase em frente a um Extra. Da janela da minha casa, distante uns 200 ou mais metros do supermercado, consigo enxergar com clareza a famosa frase “Aberto 24 horas”. Escrito em letras garrafais, provavelmente não seria permitido pela nova lei. O fato é que, ilegal ou não, essa frase tem um significado muito mais amplo, que passa despercebido.

Precisamos mesmo de um supermercado que funcione 24 horas por dia? O ritmo de vida que estamos levando não nos dá tempo de ir ao supermercado em horários normais? Em quase todos os outros lugares do mundo, os supermercados fecham. Uma hora ou outra, mas fecham. Aqui, um lugar que nunca fecha se vangloria. E nós ficamos felizes com isso.

Você gostaria de ser funcionário dessa rede? Imagine só: seu turno é das 23h às 7h. Você tem que dormir de dia, e com isso, além de não conseguir ter uma vida normal, ainda só fica acordado quando já não há mais luz do sol. Até presidiário consegue ver mais sol do que você. Nem adiante vir com a desculpa de que esse funcionário deveria estar feliz por ter trabalho. Não estamos mais na época da revolução industrial, quando as jornadas eram longas e massacrantes. Se bem que parece que estamos regredindo: as pessoas se gabam de virar noites, de ter hora pra entrar e não ter hora pra sair.

Até quando vamos precisar de um supermercado 24 horas? E até quando vamos achar ótimo ter um supermercado que funcione desse jeito?

sexta-feira, dezembro 15, 2006

Pelé

Desde pequeno, seu negócio sempre foi jogar futebol. No recreio, nos intervalos, na hora da saída. Qualquer brechinha era desculpa pra bater uma bola. Logo, ganhou o apelido de Maradona. Sim, era bom de bola e canhoto, mas o apelido era muito mais por causa da sua forma física: gordinho e baixinho.

Na época do estirão, lá pelos 12, 13 anos, virou Gérson. Mais alto e mais magro, fazia ótimos lançamentos e deixava os amiguinhos na cara do gol. Só que, no fundo, o apelido surgiu por outro motivo: tinha sido um dos primeiros da turma a começar a fumar.

Quando acabou o colégio, queria por que queria virar jogador. Até passou na faculdade, mas seu negócio não era esse. O pai, ameaçando dar uma tunda, fez ele mudar de idéia rapidinho. Teve que se contentar com as peladas do time da faculdade. Lá, ele era mais conhecido como Fenômeno. Porque, além de ser disparado o matador do time, viu, com festas e cervejadas a rodo, sua barriga crescer de forma assustadora.

Depois que ele foi fazer uma pós em Londres, nunca mais nos vimos. Até a semana passada, quando nos trombamos no shopping. Agora ele tá casado, dois filhos, acabou de comprar um apartamento ali em Perdizes. Lembrei da história dos apelidos e na hora ele corou com minha pergunta. Insisti tanto que ele abriu o jogo. A mulher chamava ele de Pelé.

“Pô, quer dizer que você continua jogando um bolão?”
“Quem dera.”
“Então de onde vem esse apelido?”

E ele, triste, quase mudo, respondeu.

“Viagra, amigo, Viagra.”