quinta-feira, novembro 30, 2006

Com certeza era silicone

Se encontraram por acaso, ali na fila do banco. Fazia quanto tempo mesmo? Uns 15 anos, talvez mais, pensou o Jota. Mas se reconheceram fácil. Sabe como é, paixão de sétima série marca.

O Jota tava engravatado, engomadinho, uma graça, pensou a Vera. A Vera, na verdade Verinha, a menina mais cobiçada do Dante Alighieri (era a única que não usava shorts por debaixo da saia), tava linda. Cons uns 15 anos e um pouquinho de peito a mais, reparou o Jota. Silicone, silicone, ele concluiu.

Na hora, trocaram poucas palavras. O Jota só lembrava que ela tinha ido embora da cidade por causa do pai, que era militar ou diplomata, ele não tinha certeza. Tinha ido pro interior. Ou era pro exterior? É, ele definitivamente tava com a memória ruim, coitado.

Papo vai, papo vem, o Jota tá de cueca, acordando. Olhou pro lado, a Verinha dormindo, peladinha, de barriga pra cima. Só podia ser silicone. Procurou o relógio, quatro e meia. Quatro e meia? Desesperou. Pensou na desculpa que ia ter que dá pro chefe, pensou na mulher, que já devia tá louca atrás dele, só não pensou nos filhos, porque graças a deus não tinha. Senão seria pior. Desesperou mais ainda. Perder emprego e mulher de uma vez, assim junto, ia ser o fim. Calma, Jota, calma, falou pra si mesmo, sem se convencer. Primeira coisa: o celular, cadê? Ali, na cabeceira. Imaginou dez chamadas não atendidas, nem queria olhar. Tava lascado. A mulher já devia ter colocado alguém atrás dele, o chefe já devia ter colocado alguém no lugar dele. Quatro e meia. Como ele foi acordar tão tarde?

No carro, ainda colocando o cinto (o da calça), tomou coragem e enfrentou o celular. Estranhou. Nada. Nenhuma chamada. Não tinham notado a falta dele. No escritório, tudo bem, ele sentava meio escondido. Mas, e a mulher? Ciumenta que só, devia ter ligado pra polícia, pros amigos dele, nessa hora o bairro todo devia estar sabendo. Estranho.

Chegando na firma, tudo fechado. Mais estranho ainda. Ficou mudo por um tempo. “Puta que pariu!”. Tinha se esquecido, era sábado. Ficou feliz, mas só por 2 segundos. Se era sábado, como ele tinha encontrado a Verinha na fila do banco? E mesmo sendo sábado, como a mulher dele não tinha ligado?

Ainda estava pensando nisso, quando acordou. Ufa. Tinha sonhado tudo aquilo. Nada de Verinha, nada de motel, nada. Foi só um sonho. Olhou pro lado, cama vazia, sua mulher já tinha levantado pra fazer o café. Aí, não teve dúvida: fechou os olhos de novo pra ver se ainda conseguia pegar a Verinha dormindo. Com certeza era silicone.

terça-feira, novembro 28, 2006

Onde está o Oliver

Ele sempre ia nas festas fantasiado de “Onde está o Oliver”. Bom, pelo menos era assim que ele falava. Não que fosse burro ou coisa e tal. Tinha diploma, família rica, morava em bairro chique. O fato é que um dia ele soltou essa sem querer, e viu que todo mundo por perto riu. Pronto. Ele, o cara mais sem graça, mais sem amigos, mais “Quem é que foi que convidou o Otávio, hein?”, tinha achado o seu nicho. Ser idiota.

Como ele nunca tinha pensado nisso? Coisa mais fácil não devia existir. Não precisava decorar, não precisava estudar, não precisava ler jornal, não precisava se atualizar. Era só errar. Lógico, no começo ele teve que vir com os erros prontos de casa, como quando confundiu os Nelsons, chamando o Mandela de Rodrigues. Ainda teve aquela vez que falou de um documentário feito na fronteira da Alemanha com a Itália. Ou quando jurou que o Papa-móvel, o carro do papa, era uma versão do Papa-tudo pra celular. Mas foi treinando tanto, tanto, que passou a falar besteiras de improviso mesmo. E da graça com os amigos, para o sucesso com as mulheres, foi um pulo.

Foi assim que ele conheceu a Lurdinha.
Ela: “Me paga uma bebida?”
Ele: “Pode ficar com a minha.”
Ela: “Que que é?”
Ele: “Bode Mary.”

terça-feira, novembro 14, 2006

A importância da régua

Quando você viaja sozinho é que dá importância aos detalhes. Exemplo: no primeiro dia em Londres (tá bom, foi no terceiro. Tava querendo dramatizar mais a coisa, só isso) eu perdi minha saboneteira. Nunca tinha dado muito valor a saboneteira, e continuo não dando, mas ela fez muita falta, de verdade. Não comprei outra, pois: 1 – sou pão duro assumido; 2 – tenta pedir uma saboneteira em inglês, só tenta. Soap-what?

Outra coisa que fez muita falta na minha viagem foi uma régua. Sem sacanagem. Não comprei uma, pois acho que régua é uma coisa que não se compra. É que nem cachorro. Ou você ganha (tudo bem, ganhar uma régua não é tão legal quanto ganhar um cachorro) ou você acha. Imagina eu anotando no meu caderno de despesas que comprei uma régua. E com esse euro caro pra dedéu, não bateu a mínima vontade de pagar R$ 4,00 por um pedacinho de 30 cm de plastic.

Agora, percebi que a régua tem um valor inestimável, insofismável, quiçá. Ela é quase um Bombril, um Gustavo Nery na época do São Paulo, pode exercer várias funções. Primeiro, pra quem não faz ioga ou pilates ou algum RPG (não o jogo) da vida, elasticidade não é uma coisa muito fácil de se conseguir. Eu jogo bola desde pequeno e até hoje não consigo colocar a mão sem dobrar a perna, manja? Cabe aqui dizer que elasticidade pode ser entendida como a capacidade de coçar as costas sem a ajuda de ninguém. E pra todas essas pessoas que não têm elasticidade, nada melhor que uma régua pra dar aquela força. Já tentei caneta Bic com e sem tampa, caderno, colunas greco-romanas, mas nenhuma dessas opções superou a boa e velha régua, com suas inigualáveis quatro pontas e sua superfície quase cortante, que pode até arranhar, deixando aquela marquinha branca na pele, mas alivia a coceira na hora, pode apostar.

Segunda função da régua: quando bate aquela fominha, no meio da noite ou no meio de uma viagem de trem, ou em algum momento que não haja outra opção, a régua, ela mesma, serve como faca. Não dá pra cortar carne, batata ou cebola, mas pra cortar um bolinho ou um muffin, ela vai muito bem. Melhor ainda se você tiver uma daquelas manteguinhas, geléinhas, melzinhos, ou outro acompanhamento que você por acaso roubou do café da manhã do albergue. Dá pra usar a régua pra passar isso no pão, pq não?

A terceira função da régua é a de sempre, nenhuma. Ela fica jogada em algum canto, até o dia que você precisa dela(pra coçar as costas ou cortar o bolo) e não tem a mínima idéia de onde ela possa estar.

Certeza que na minha próxima viagem, vou colocar a régua na minha lista. Não ocupa quase nada de espaço e garanto que é bem mais útil do que aqueles guias de viagem que nem sequer indicam onde tem uma lojinha na qual você possa comprar uma régua.

segunda-feira, novembro 13, 2006

Meu Hino

Não fui eu que fiz esse poema. Mas desde a primeira vez que o ouvi, adotei como meu hino. Ah, ele é bom lido, mas se você conseguir ouví-lo na voz de Paulo Gracindo, fica melhor ainda. Deve ter um link na net pra isso, mas eu tô com preguiça de procurar. Anyway, é isso.

CÂNTICO NEGRO
José Régio

“Vem por aqui”, dizem-me alguns com olhos doces,
estendendo-me os braços, e seguros
de que seria bom se eu os ouvisse
quando me dizem: "vem por aqui"!
Eu olho-os com olhos lassos,
(há, nos meus olhos, ironias e cansaços)
e cruzo os braços,
e nunca vou por ali...

A minha glória é esta:
criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém!
Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
com que rasguei o ventre a minha mãe.

Não, não vou por aí!
Só vou por onde me levam meus próprios passos...

Se ao que busco saber nenhum de vós responde,
por que me repetis: "vem por aqui"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
redemoinhar aos ventos,
e como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
a ir por aí...

Se vim ao mundo,
Foi só para desflorar florestas virgens,
e desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
que me dareis machados, ferramentas, e coragem
para eu derrubar os Meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
e vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Ide! tendes estradas,
tendes jardins, tendes canteiros,
tendes pátrias, tendes tetos.
E tendes regras e tratados e filósofos e sábios.
Eu tenho a minha Loucura!
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
e sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!

A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...

Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou,
Sei que não vou por aí!

sexta-feira, novembro 10, 2006

Brasileiro sem memória

Não tem povo com mais problema de memória que o brasileiro. Um povo que esquece dos ídolos, que esquece das roubalheiras dos políticos estilo rouba-mas-faz e os elege como deputados estaduais mais votados, enfim, um povinho sem memória. Bom, mas isso todo mundo sabe, é verdade. Tanto que até é um chavão falar isso.

O que eu notei é que esse problema, ou pobema, como diria o Luxemburgo, vai mais além. Brasileiro que é brasileiro, quando tá dirigindo seu carrinho, esquece que também é pedestre. E não dá preferência, joga o carro em cima, buzina e xinga até a mãe. Como se a vida fosse andar de carro 24 horas por dia.

Brasileiro também esquece que aquela rua na qual ele jogou um papel no chão, é uma rua da cidade dele, do lugar onde ele mora. Parece que não se toca que a poluição que ele gera, vai ser a mesma que vai causar males à saúde dele.

Tem aqueles que ainda esquecem que um dia vão ser velhos, que um dia vão ser pais, que um dia já foram crianças. E aí, fica cada um defendendo só o seu, tudo um bando de Gérson que só quer mesmo é tirar sua fatia.

O pior é não conseguir esquecer que a gente mora aqui

quarta-feira, novembro 01, 2006

Ah, Mr. Dan!

Amsterdã é uma cidade meio estranha.

Pra falar a verdade, é uma bagunça por aqui, mas, no meio da bagunça, tem uma certa organização, tudo funciona e tals. Meio aquela história da flor que nasce da bosta.

Quase não tem semáforo nessa cidade, mas dificilmente você vê alguma cena perigosa, um quase-acidente, uma fechada ou um “Passa por cima, cuzão!”. Mesmo assim, não é nem perto de fácil andar na rua, talvez seja até mais casca que em Londres, e olha que lá na city do Charles tem a porra da mão invertida, que não ajuda muito não, convenhamos.

Em Amsterdã, quando você acha que tá tranqüilo na calçada, de repente vem um carro, bem na sua direção, e só então você descobre, meio sem querer, que aquilo ali não era calçada coisíssima nenhuma. Aí, quando tu começa a ficar esperto com os carros que surgem na “calçada”, surgem várias bicicletas, em todas as direções possíveis, e com aquela buzininha xarope. Fora que ainda tem o tal de tram, um fura-fila que deu certo, cujo pseudo-trilho é no meio do passeio(calçada, pra quem tem menos de 75 anos).

É uma confusão só, ou, já que estamos falando de Amsterdã, uma zona: se você acha que vem um carro, aparece uma bike; se você aposta na bike, surge um caminhão; se você tá de olho no caminhão, vem o tal de tram; e, quando não tá vindo ninguém, você tem certeza de que tá sussa, já olhou pra todos os lados, surge então uma voz: “Hey, mister!”. Quando eu viro pra trás pra olhar, é um guarda, falando preu voltar pra calçada. Do meio da rua mesmo, eu retruco, em inglês, pois holandês é impossível. “Sorry?”. Mas o guarda não se dá por vencido, e me explica calmamente: “It´s red”. Porra, eu vi que tava vermelho pra mim, só que não tava vindo ninguém, não sou cego, oras. Mas, como explicar isso em inglês não seria fácil, mesmo para um poliglota como eu, resolvo, então, com o rabo entre as pernas, voltar e ficar com a maior cara de panaca do mundo, esperando o farol abrir. Vê se pode.

Fumar maconha, tomar chá de cogumelo, puta em vitrine, tudo isso pode. Atravessar a rua com o farol fechado, não. Vai entender esses holandeses.

O bom primo a(`) casa torna

Voltei. Exatos 108 dias depois da minha partida, estou de volta.

Sei que decepcionei meus fiéis leitores com a minha inatividade blogueira nesse tempo todo. É que com internet paga em euro, fica difícil postar todo dia. Quer dizer, com a Europa ali, todinha pra você, o difícil mesmo é arranjar tempo pra usar a internet. Chupa.

Claro que eu não vou tentar resumir minha viagem em um post só, pois acho que preciso de pelo menos uns cinqüenta pra isso. E é isso que vou fazer: vou colocar todas as histórias que estão em minha cabeça ou caderno aqui no blog, nos próximos dias. Sim, as tãos sonhadas atualizações diárias vão se tornar realidade. Mesmo porque, desempregado, é sempre bom arranjar coisa pra preencher o tempo.

Então, tá combinado. Você entra no blog diariamente, lê uma crônica/estória nova a cada dia, e deixa seu comentário. Ah, e se tiver uma vaguinha de trainee em marketing, pode mandar pra mim também.