quinta-feira, outubro 25, 2007

Auto-ajuda só atrapalha

Eu não quero me tornar um líder servidor. Eu não quero roubar o queijo de ninguém. Pra falar a verdade, eu nem gosto de queijo. Também não estou interessado nas técnicas de guerra do Sun Tzu. Não dou a mínima se vou ser um pai rico ou um pai pobre. Se eu conseguir ser um pai sem barriga, já tá valendo. A diferença entre o Monge e o Executivo? Não faço idéia. Qual é o Segredo? Afe, que coisa mais uó.

Mas é fato que essa febre de auto-ajuda tá pegando mais que dengue ultimamente. O que começou com simples palestras do mestre Layr Ribeiro, hoje é uma indústria que fatura bilhões por ano. E de um jeito muito simples: dando conselhos, dicas e falando de mais um monte de coisas óbvias.

O problema é que as pessoas acreditam nessa papagaida. “O melhor jeito de vencer um inimigo é conhecer a si mesmo”. Dã. Precisa mesmo ser general do exército chinês pra saber isso? Na boa, qualquer um que joga War I (o War II é muito complicado) sabe disso.

Só que as pessoas realmente acreditam nessas coisas. Percebendo isso, e também que um gordão com cara de corretor de imóveis (Layr Ribeiro) conseguia um relativo sucesso, outras pessoas partiram para explorar essa “área”. É por isso que hoje, em qualquer livraria, é mais fácil achar um livro de auto-ajuda do que um Dostoievsky.

Bom, mas livro é uma coisa muito analógica. Então o que eles resolveram fazer? Filmes de auto-ajuda. Isso mesmo. O Segredo, por exemplo. Auto-ajuda pura. E no cinema, rodeado de espectadores, é capaz que neguinho se sinta em uma seção de terapia coletiva. Aposto. Agora, como são os comentários de filmes de auto-ajuda? “Hum, adorei aquela cena em que ele fala que somos nós que fazemos nosso destino”.

Eu imagino aquelas pessoas que adoram decorar falas de cinema. Tem gente que sabe todas do Poderoso Chefão, do Matrix, do Exterminador do Futuro. Daqui pra frente, vai ter gente sabendo falas como “Não tente voar com as águias, se você está rodeado de perus” ou “As melhores coisas que você pode deixar para os seus filhos são raízes e asas”.

E os críticos de cinema de auto-ajuda? O que eles vão poder falar? “A atuação do narrador foi muito boa” ou “aquele cientista metafísico poderia ter sido menos piegas”.

Por falar nisso, por que raios as pessoas acreditam que metafísica tem a ver com auto-ajuda? Metafísica não é algo que você vai aprender assistindo a um filme. Vai ler Nietzche, Platão, alegoria das cavernas. Não é lendo O Segredo que você vai descobrir isso, camarada. O máximo que você vai descobrir lendo O Segredo, é que você perdeu duas horas da sua vida.

Mas o pior ainda está por vir. Depois dos livros, vieram os filmes de auto-ajuda. Então, qual o próximo passo? Obras de arte de auto-ajuda? Já vejo o Masp fazendo uma exposição com as obras mais famosas de Roberto Shiniashiky. Ou ainda um anúncio bem grande: Sun Tzu na Oca.

Na boa, auto-ajuda é que nem McDonalds: faz mal e todo mundo consegue viver sem.

segunda-feira, outubro 01, 2007

Vendange II

Depois do “cascrout” (se você não sabe do que estou falando, ou pegue um dicionário francês-português ou, mais fácil ainda: leia o post anterior a este) voltávamos ao trabalho. Vale ressaltar que o galão de vinho era sempre esvaziado nesses 10 minutos de folga. Aliás, vinho lá era tomado como água, em todas as refeições, com exceção do café da manhã. Era por isso que, depois do lanche, o ritmo caía vertiginosamente e a vontade de mijar caminhava no sentido oposto.

Às 12h em ponto, batíamos em retirada. Obviamente, hora do almoço. Na van, no caminho de volta, uns aproveitavam para curar cortes, outros para trocar de camiseta (raríssimos, e eu não me incluía nessa lista), outros para fazer piadas que eu não entendia. Lembrei da minha primeira vez no cinema, quando fui assistir às Tartarugas Ninjas: como não entendia inglês e, recém alfabetizado, não conseguia acompanhar as legendas, ria quando todo mundo ria, mesmo sem entender o que estava acontecendo. Na colheita de uvas, acontecia a mesma coisa. Não entendia as piadas feitas em francês, mas meu sorrisão nunca deixava transparecer isso.

O almoço era uma experiência sócio-gastronômica. Entrada, primeiro prato, segundo prato, sobremesa, queijo. O curioso era que ninguém trocava de prato, e foi aí que entendi o porquê de tantos pães na mesa. Era o jeito mais prático de limpar o prato e não misturar o feijão branco do primeiro prato com a mousse servida na sobremesa. O fato é que comíamos muito, sempre com o vinho para acompanhar. Resultado: batia aquela lombra, e a vontade de trabalhar, que já não era grande, diminuía ainda mais. Eu não negava uma deitadinha na grama, mas raramente sobrava tempo para um cochilo ou algo que o valha. Tinha que voltar pra van, pois o período da tarde reservava mais trabalho.

A rotina da tarde, semelhante a da manhã, durava até as 17h00, se não me engano. Como não tinha relógio, confiava nos outros, só que mais uma vez, meu parco francês me impedia de definir com precisão o horário que tinha ouvido na resposta. A única coisa que mudava era o nível alcoólico das pessoas. Mais um ou dois galões de vinho iam embora, e, com isso, muito mais piadas surgiam. Eu continuava a não entender nada, mas percebia pelas risadas cada vez mais altas.

Voltando ao acampamento, um belo banho em um vestiário (bondade minha chamar de vestiário aquilo ali) sem luz. Tudo escuro. Por mais que eu passasse sabonete no corpo, sempre saía sujo dali, pois não conseguia enxergar onde ainda estava sujo.

Depois disso, um jantar com mil opções de pratos e, sempre ele, o vinho para acompanhar. Mais algumas piadas e mais alguns sorrisos forçados de minha parte, algumas cenas patéticas como camponeses caindo no chão de tanto álcool ou sendo carregados em carrinhos de mão e voltávamos para os nossos quartos, que tinham aquele cheiro acre de cidade do interior na quarta-feira de cinzas. O cara da Guiné que parecia lateral do Santos na época do Pelé ligava seu radinho e tentávamos dormir.

Pra variar, durante a noite, umas duas ou três pessoas me acordavam, pedindo para eu parar de roncar. Sonado, eu ouvia algo como: “Non ronquê, sil vu plê” e voltava a dormir como se nada tivesse acontecido.