segunda-feira, dezembro 17, 2007

Sorte

Comprei um daqueles vinhos que meu tio “enochato” indicou. Caberlot ou Mernet, ou algo que o valha. Não sou bom pra decorar nome de gente. Pra nome de vinho, menos ainda.

Li o guia do jornal duas vezes, até descobrir um restaurante novo, que estava abrindo ali nos Jardins. Chef brasileiro, que tinha passado uma temporada na Provence. Misturava “toques provençais com uma roupagem diferenciada”, como disse o crítico. Achei interessante. Liguei e reservei uma mesinha longe do banheiro, pois lembrei daquela nossa não tão agradável experiência naquele restaurante mexicano (deve ter sido a pimenta).

Levei o carro pra lavar. Naquele posto onde 35 litros valem uma ducha grátis, das 10h às 17h. Claro que dei uma gorjetinha pro frentista, e aí ele caprichou. Até tirou os tapetinhos e passou uma parada que deixou os vidros mais translúcidos. E trocou aquele lixinho que fica preso na marcha e atrapalha na hora de dar ré, que estava cheio de papel de bala de motel.

Comprei uns sabonetes especiais, uns cremes afrodisíacos. Coisa de mulher, mas eu queria impressionar.

Encomendei uma dúzia de rosas colombianas. Pedi pro meu amigo poeta escrever um cartão especial, com uma citação em italiano, pra dar aquele tchans.

Por fim, deixei no ponto o Acústico do Luiz Melodia, que nunca falha. (Deixei aquele CD rosa da Marisa Monte também por perto, nunca se sabe).

Estava tudo pronto pra você. Mas deu caixa postal. Uma, duas, talvez mais vezes. Até que, quando eu já tinha desistido, você atendeu. Só pra dizer que ia sair com suas amigas hoje.

E eu fiquei lá em casa, todo arrumado, perfumado, pronto pra você.

Sorte que Ana tava em casa quando eu chamei ela pra sair.

quarta-feira, dezembro 05, 2007

Aquela mulher

Eu já estava bem acomodado no fundo do restaurante quando aquela mulher entrou. Mesmo com o garçom na minha frente, oferecendo aquele couvert delicioso, que eu nunca recuso, não tive como não perceber sua chegada.

Ela entrou devagar, segura de si, como se estivesse em casa. Nem olhou pros lados. Até a hostess, com a qual eu tinha trocado olhares minutos antes, ficou desconcertada com sua presença. De uma hora para outra, parecia que o lugar tinha uma dona.

Delicadamente, tirei o garçom da minha frente e coloquei um pão de queijo na boca. Sem manteiga. Aliás, nem notei que tinha esquecido a manteiga, tamanha era minha falta de atenção. Aquela mulher simplesmente me hipnotizava. Tanto que eu até esqueci da perfumada alcachofra, uma das minhas iguarias preferida, e coloquei outro pão de queijo na boca. Sem manteiga, mais uma vez.

E ela continuou. Olhou pra frente, levantou a cabeça, examinou o ambiente. Uma leve arrumada no vestido, justo na hora em que eu mastigava, me fez engasgar. Mas não tossi. Não queria estragar o momento. Engoli a seco e nem pedi um copo de água ao garçom, temendo que ele ficasse novamente tapando minha visão.

Aquele olhar, aquele corpo, aquele jeito. Não era nova, tinha praticamente a minha idade. Era linda, apenas isso. Não fosse o perfume das alcachofras, aposto que já teria sentido o perfume dela, que, aposto, só me deixaria mais encantado. Jurei nunca mais pedir couvert com alcachofras.

O salão estava ficando pequeno, eu não conseguia me mexer. Estava louco, suando, sentindo o calor de Cuiabá ao meio dia, muito embora já passasse das 23h em um dia frio de São Paulo. Nem sei como consegui pensar numa analogia dessas, numa hora dessas. Esbarrei na faca de peixe, derrubei o pratinho de azeite com sal que estava incluso no couvert. Que raios uma faca de peixe estava fazendo ali, se eu nem ainda tinha feito meu pedido?

Atordoado, com o azeite no meu colo, nem notei que ela se aproximava. A cada passada, ela ficava mais linda e sedutora. E eu, mais bobo e descontrolado. Só sentia o azeite entrando no tecido da minha camisa e meu coração saindo do meu peito. Azeite extra-virgem mancha?

Ela então parou na minha frente, e, inesperadamente, sorriu. Eu, sem saber o que fazer, levantei, e antes que pudesse falar qualquer coisa, ela me deu, pasmem, um beijo. Tremi por um segundo, até que ela começou a falar e eu finalmente entendi tudo o que estava sentindo.

- Oi, amor, feliz aniversário. Demorei muito?